Sexta-Feira 13

Publicado: 17 de abril de 2012 em Crônicas de Vívien

Ela caminha com passos rápidos até a cozinha onde suas amigas estão esperando-a. Seu vestido negro realçando o corpo esguio, com vestes esvoaçantes. Os pés vestidos em uma confortável bota negra, cujo cano sobe-lhe até o joelho. As mãos magras de unhas longas pintadas de roxo seguravam o cabo de freixo da linda vassoura de palha, enquanto na outra mão carregava o caldeirão negro de ferro fundido e com três pés. Dentro do caldeirão havia velas, saquinhos de incenso, algumas fitas, um cálice de prata e algumas outras coisas exóticas aos olhos comuns. Em sua cabeça havia um lindo chapéu cônico preto, com uma fivela roxa na base. Seus cabelos grisalhos estavam soltos sobre o ombro.

-Até que enfim Vívien… Estamos atrasadas! – Disse Helga com sua voz esganiçada.

-Já estou aqui… Não vamos demorar mais, vamos embora! – Respondeu Vívien rispidamente, enquanto pegava as coisas que colocara no chão por alguns segundos e então saiu com as amigas até o carro Logan preto e dali foram para o Concerne.

Estavam juntas: Helga, Zelda e Lucinda. Eram as grandes amigas de Vívien. Helga era gordinha e rechonchuda e falava com voz esganiçada. Seus cabelos eram ruivos e usava um vestido negro com um cinto largo na cintura. Zelda era esbelta e das quatro talvez fosse a mais atraente. Seus cabelos eram negros e seus olhos eram de um azul marinho. Usava um longo vestido preto, cujo saião alternava entre faixas nas cores pretas e lilás. No braço direito havia uma luva arrastão que subia até o nível do cotovelo. Lucinda era a mais magra e tinha cabelos loiros grisalhos, mais escuros que os de Vívien. O rosto era encovado e seu longo vestido vermelho cheio de detalhes dourados parecia folgado no corpo dela. Seus cabelos estavam amarrados em uma longa trança. Todas usavam chapéus cônicos, com exceção de Helga que tinha o cabelo amarrado em um coque arrebitado.

No carro estavam Vívien que dirigia, Helga ao seu lado no banco do carona e as outras duas no banco traseiro. Conversavam sobre o que as esperava:

-Ainda não consigo acreditar que foi contra a palavra deles Vívien! – Exclamou Helga olhando para Vívien.

-O Conselho tem sido muito exigente em seus termos mais relevantes e tem esquecido o que é mais importante. – Respondeu Vívien ultrapassando em alta velocidade um dos carros a sua frente.

-Tanto faz o que aconteceu! Quero saber quem realmente estará no ritual de hoje. – Perguntou Zelda irritada.

-George e Anette estarão conosco. Bob talvez, e o restante vai seguir aquele plano vergonhoso estabelecido pela última reunião. – Respondeu Vívien.

-Então iremos mesmo contra os outros e ao invés de realizarmos o ritual público com o restante do Conselho iremos acatar a decisão mais tradicionalista? O que seria isso Vívien? Medo de  modernizar? – Perguntou Zelda em tom sarcástico.

Lucinda apenas ouvia calada.

-A Sexta-Feira 13 nos tempos antigos foi o dia comemorativo da deusa grega Hécate, deusa da bruxaria, da morte e das encruzilhadas. Era uma deusa que formava uma tríade com Perséfone e Deméter. Hécate é a padroeira das Bruxas e desde os tempos antigos nossas ancestrais a cultuavam na Lua Nova. Hécate sempre foi mal compreendida e nos mitos sempre assumiu papel secundário, mas ela é uma face divina que jamais poderá ser esquecida. Por ser a deusa das Bruxas e da morte, Hécate foi associada ao mal quando as religiões patriarcais prevaleceram e daí surgiram às inúmeras superstições acerca da Sexta-Feira 13. Arthur declarou que a Sexta-Feira 13 tornou-se apenas uma superstição e que nos dias de hoje perdeu sua importância. Isso além de tolice é uma tremenda falta de sensibilidade e sabedoria. Ele está agindo como um dos sacerdotes do patriarcado, banindo as antigas práticas pagãs. Não permitirei que isso me afete e se estiverem comigo que venham. – Respondeu Vívien com indignação.

-Estamos com você. Caso contrário não estaríamos aqui. – Respondeu Helga finalizando a conversa.

Vinte minutos depois haviam chegado. O Concerne era um local específico na grande Fazenda do Conselho. Era um local fechado pelas enormes árvores e pelos arbustos e no meio de todo o matagal uma pequena clareira de onde se podia ver o céu estrelado. O carro foi estacionado fora do matagal, não muito longe dali e as quatro bruxas fizeram seu percurso a pé até o centro do Concerne (a clareira). Chegando ao local, encontraram uma fogueira acesa bem ao centro e cercando todo o local havia um perfeito círculo de pedras pequenas, obsidianas.

Três velas roxas estavam dispostas fora do círculo, formando um triângulo que apontava para o Oeste. Frente à fogueira estava uma figura encapuzada com um robe preto. Um cíngulo ocre estava amarrado em sua cintura e suas mãos estavam caídas ao lado do corpo. Quando Vívien e as outras entraram no local, a figura encapuzada rapidamente levantou as mãos e removeu o capuz, revelando um rosto pálido de nariz fino e cabelos encaracolados castanhos. Algumas rugas apareciam debaixo dos olhos. Sua barba tinha sido aparada recentemente e seus olhos castanhos cintilavam á luz da fogueira. Era George, o membro mais novo do Ancient Circle.

-Desculpe a demora George. Só veio você? – Perguntou Vívien, sendo respondida apenas por um aceno positivo de cabeça. As bruxas carregavam suas coisas. Zelda tinha apenas uma vassoura na mão. Helga tinha uma vassoura e várias fitas coloridas, Lucinda levava apenas um grosso livro de couro com um pentagrama de prata na capa. Vívien trazia todas as coisas que pegara antes de vir.

George caminhou até um ponto onde havia uma ruptura no círculo de pedras. Ele tirou do bolso do robe algumas obsidianas e falou com sua voz suave e misteriosa:

-Convido as irmãs a adentrarem o círculo sagrado. – Dizendo isso, Lucinda que não falara nada até ali entrou no círculo pela abertura que havia. Depois foi a vez de Helga, seguida por Zelda e por último Vívien. George fechou o círculo com as obsidianas e o poder foi sentido nesse momento. George caminhou até onde as bruxas haviam organizado suas coisas ao Norte e colocou a última obsidiana que sobrara no interior do caldeirão de Vívien. O Livro estava aberto em uma página envelhecida e o caldeirão estava cercado por velas, enquanto os diversos incensos queimavam ao leste. O aroma predominante era o de Cipreste. Em seguida, todos cercaram a fogueira e deram-se ás mãos. Vívien dividia a posição norte com George, enquanto Helga ficava ao leste, Zelda ao sul e Lucinda ao oeste. Começaram então a liberar seus poderes, à medida que sua concentração máxima era atingida. Todos soltaram as mãos. Vívien, Zelda, Helga e Lucinda invocaram cada uma os poderes elementais de proteção da Terra, do Fogo, do Ar e da Água. Ao terminarem, George levantou as mãos e disse em voz alta, com seu timbre retumbante de voz:

Hécate, Mãe Negra

Senhora das Encruzilhadas,

Domadora de dragões,

E detentora do conhecimento oculto.

Conhecedora de todas as estradas,

Venha até nós com teus guardiões da noite,

Pelas trilhas tortuosas, venha e nos mostre todos os caminhos.

Poderosa Senhora da Morte e Protetora das Feiticeiras,

Ceifeira das Almas,

Portadora da Sabedoria,

Senhora da Escuridão e da Magia,

Vos invocamos.

Que possamos ouvir teu sussurro através da noite.

Enquanto George falava as folhas das árvores começaram a se agitar e chama da fogueira cresceu e passou a se contorcer em dezenas de formas. As folhas no chão voaram todas, sopradas pelo vento que vinha do Oeste.

Senhora das senhoras,

Ó poderosa deusa que caminha sob tua face Lua,

Vos invocamos!

E ao gritar a última frase, George, assim como as demais ouviram latidos e uivos que vinham de muito distante e ao mesmo tempo de muito perto. Como se viessem direto do além. As copas das árvores se agitaram bruscamente e faíscas flamejantes explodiram das chamas. Todos sentiram a presença enaltecedora de Hécate. E por um instante todos viram duas luzes que chamuscaram como fogo na escuridão da floresta, vindas do Oeste e em seguida dentro do círculo uma sombra enevoada como um manto negro, cabelos grisalhos e olhos que eram como portas para o infinito surgiu e desapareceu como um flash. Todos absorveram para si a energia do momento. Helga foi até onde estavam as coisas organizadas e pegou as fitas coloridas e um pedaço foi dado a cada um. A cor certa para cada integrante. Começaram então a entrelaçar as fitas entre si, formando um círculo de fitas coloridas trançadas em torno da fogueira. Cada um imantando seu pedaço de fita com o poder de Hécate e ao mesmo tempo direcionando seu poder pessoal. Era necessário um grande controle da própria energia e d’Os Poderes para que realizassem esse momento ritual e tudo terminasse em sucesso ao invés de desastre. Entoaram em harmonia, um cântico para fixar o poder. Enquanto entoavam o cântico harmoniosamente o vento assobiava e vários olhos selvagens surgiram na escuridão a observá-los. Elevaram o tom de voz ao ponto de gritar e então a chama da fogueira que se contorcia abaixou repentinamente e todo aquele poder que circulava com intensidade dentro do círculo sumiu… Fora absorvido pelo círculo trançado de fitas coloridas que agora emanava um brilho lúgubre de tom roxo. Logo terminaram o ritual depois de realizarem os processos de finalização e de segurança e mandaram todos os seres ali presentes de volta aos seus reinos de origem.

George ficou no Concerne para limpar toda a área e levar e organizar todos os instrumentos utilizados para a sede do Conselho. Vívien e as demais foram embora. Vívien levara o círculo trançado para casa e pendurou-o no centro de seu lugarzinho secreto, no subterrâneo da sua casa. Era um conservatório de poder aquele círculo de fitas coloridas trançadas. Ele emanaria o poder de Hécate para cada um dos integrantes do ritual, enquanto permanecesse intacto. A forma de destruí-lo, porém, não posso e nem devo dizer aqui. O que importa agora é que depois de deixar o Laço de Hécate num lugar seguro, Vívien ficou até bem tarde bebendo uma taça de vinho e ouvindo Chopin sentada na varanda com sua camisola de linho branco, enquanto chovia. Ela refletia sobre coisas passadas e coisas futuras. Naquele exato momento o presente tornou-se infinitamente vazio.

comentários
  1. Marie Claire disse:

    Bon Jour Doce Ciallmhar! Belíssimo conto, fez-me sentir presente ao ritual.
    Está tudo maravilhosos por aqui, não me canso de dizê-lo!
    Beijos!

  2. Boa Tarde cara Marie,
    Eu também não me canso de dizer que fico muitíssimo agradecido por tuas palavras! ^^
    Grande abraço minha querida amiga!

  3. Heloah Marie Chevallier Buddlaire disse:

    Adorei este conto fabuloso. Adoro sexta-feira 13. Lendo esse ritual me deu até um arrepio.

  4. Saiba que os celebrativos são também importantes, pelo menos para as Bruxas. Mas se as pessoas carregam a essência dos antigos deuses em sua alma e em seus corações, perceberão que neles foi acendida uma nova qualidade, uma nova visão, uma nova sensibilidade e etc., pois cada deus e deusa trás consigo sua energia e quando aceitamos abertamente essa energia, nós lidamos com ela em nosso dia-a-dia. ^^

  5. Morrigan disse:

    Se me permitem entrar na conversa, eu digo que considero de grande importância o reconhecimento dos deuses antigos em nosso meio. Assim passamos a lidar com as diferentes energias do mundo ao nosso redor e alcançamos maior equilibrio em nossas vidas, embora eu considere outros pontos mais importantes. No ínicio eu pensava como você Heloah, queria coisas que causassem maior impacto e acabei encontrando… kkkkkkk
    Mas reconheço que essa verdade à respeito dos deuses é também muito importante, porém acredito que torna-se mais importante para quem não tem uma vida equilibrada. Os que já tem isso podem buscar a verdadeira diversão… kkkkk

    • Querida Morrigan,
      Fico impressionado com a capacidade que tens para manter tua vida equilibrada, mesmo sendo uma louquinha de pedra. Mas já te avisei, tome cuidado com esse teu gosto em busca de “diversão”, podes acabar encontrando e talvez não tenha resultados tão agradáveis.

  6. Heloah Marie Chevallier Buddlaire disse:

    Morrigan, pode ter certeza que eu não sou uma pessoa equilibrada, e procuro através dos deuses uma forma de conforto espiritual.

    • Morrigan disse:

      Acredito!
      Contudo não devemos nos esquecer da verdadeira diversão, não é mesmo?
      Mesmo tendo tal conforto é sempre bom sair por aí e descobrir as coisas da maneira verdadeiramente divertida. 😉

      • Heloah Marie Chevallier Buddlaire disse:

        Morrigan, eu já fiz muitas travessuras durante toda a minha existência, algumas eram brincadeiras leves e depois as brincadeiras ficavam mais sérias e então essas “brincadeiras” mais sérias só serviam para elevar o meu ego. E hoje tento me livrar das lembranças horríveis que isso me causou, por isso tento encontar uma forma mais plena para se “viver”.

  7. Morrigan não aprende.
    Entendo sua visão e seu entendimento das coisas Morrigan, mas acredite: A “diversão” como gosta de chamar, não está unicamente nas coisas de impacto. Não está no Poder. Lembre-se do que eu disse: Não importa quão boa sejam suas intenções, com o tempo você se acostuma ao poder e poder corrompe. É necessário grande sabedoria e equilíbrio interior para ter o poder e não ser seduzido pelo que ele pode proporcionar…

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